FESTA DE SÃO JOÃO
A pintura moderna do Brasil.
VITOR, Raul São. Autores e Livros. Suplemento Literário. In: A Manhã. Rio de Janeiro, 01 de outubro de 1944, p. 177.
- Jornal: Mas, haverá tantas vocações entre nós?
- Guignard: Afinal, meu caro, existem em todo indivíduo sinais de sensibilidade para a pintura. Não se manifesta, muitas vezes, tal sensibilidade porque não foi convenientemente observada e aproveitada. Para que vamos à escola? Não é para aprender a ler escrever? Da mesma forma poderiam todos aprender a desenhar. Esteja certo: uns determinados maus gostos, que hoje ainda existem neste mundo, são o resultado da falta de educação mais apurada e enérgica no desenho. E essa educação consiste em apurar a acuidade dos nervos óticos. É um exercício longo, eu o confesso, mas dá excelentes resultados.
- Jornal: Mas, gostaríamos de conhecer, nesta hora em que as definições e os gostos se contradizem, as sua concepções de arte.
- Guignard: A minha experiência apaixonada é para o desenho justo e sincero. Nada de abstracismos. Para quem sabe desenhar bem, é fácil pintar. E que maravilha a ciência do desenho puro! Mestre genial foi Leonardo da Vinci!
- Jornal: E a sua opinião sobre a arte moderna?
- Guignard: A verdadeira pintura moderna? Não é mais do que, em nossa época, seguir os passos da penetração artística de um Leonardo, de Holbein, de um Goya, e tantos outros. Gioto, e logo depois Paulo Ucello, e na mesma época Pierro de La Francesca, tão expressivos na sua fase ao mesmo tempo simples e monumental. Todos esses eram no seu tempo considerados “modernistas”. Um sincero modernista de 1944 jamais terá a ousadia de produzir monstruosidades, a guisa de arte, ou será um falso modernista.
- Jornal: Do que se conclui que há falsos e verdadeiros modernistas?
- Guignard: Há os falsos e os sinceros. E aqueles, infelizmente, são muitos, e só servem para atrapalhar a vida dos verdadeiros artistas. Já estamos longe de nos impressionar com as excentricidades do cubismo e de todos os ismos, porque já passaram, morreram e estão enterrados. A pintura surrealista (uma das invenções mais novas), que se deve ao espanhol Salvador Dalli, não é mais nada do que esforço de reintegração no caminho da pintura clássica – a pintura de Antônio Pallaiuolo, em "Hercules e Nessus", ou no quadro de Sandro Botticelli “Nascimento de Venus”, ou ainda em muitas obras de Pieter Brenghel e outros surrealistas de 1500.
- Guignard: Olhe meu amigo, disse Guignard, levantando-se do bloco de pedra da Praça Rui Barbosa. A criação de um pintura surrealista sincera exige muita segurança no desenho, muita poesia, e sensibilidade infinita no colorido. Finalmente, as artes em geral, quando bem compreendidas e realizadas, são um dom divino que somente poucos podem viver, e isto mesmo somente depois de pesados sacrifícios.
Guignard inflama-se, não nos deixa falar. O pintor é alto e herculoso. A nossa frente, os ombros largos, a mão ampla que nos cumprimenta, vibrante, despedindo-se. E ainda nos diz:
- Guignard: É fácil fazer um retrato, mas é muito difícil criar uma obra.