FESTA DE SÃO JOÃO
Alberto da Veiga Guignard nasceu em Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro, em de 25 de fevereiro de 1896, sendo o filho primogênito de Alberto José Guignard (1866-1906) e de Leonor Augusta da Silva Veiga Guignard (1873-1926). Sua existência foi marcada pela má-formação congênita conhecida como lábio leporino, condição que permeou toda sua trajetória de vida, trazendo algumas dificuldades, principalmente no campo da fala. Aos quatro anos, muda-se com a família para Petrópolis, também na região serrana do Rio de Janeiro. Neste momento, no ano de 1900, nasce sua irmã Leonor. Fica órfão de pai, em 1906, por conta de um acidente com arma de fogo. Um ano após o falecimento, sua mãe se casa com o Barão Von Schilgen, um nobre alemão arruinado, bem mais jovem que ela. Por tal motivo, em 1907, Guignard muda-se para a Europa com sua família, onde passa juventude e, consequentemente, tem sua formação.
Guignard cresceu passando por várias regiões e países do velho continente. Aos doze anos é matriculado em um colégio particular em Vevey, na Suíça, prosseguindo seus estudos secundários em Grasse, no sul da França. Em 1915, aos dezenove anos de idade, é inscrito numa fazenda-escola em Freising, Baviera, Alemanha. Não se adapta aos estudos de agronomia e zootecnia, e adoece. Sua mãe vem da Suíça, vê seus desenhos e o matricula na Real Academia de Belas-Artes de Munique, onde entra em contato com as obras dos grandes mestres na Alte Pinakothek de Munique. Assim, entre 1917 e 1923, estuda desenho e pintura com Herman Groeber, membro da Sezession alemã, e com Adolf Hengeler, artista gráfico e ilustrador. Em 1922, mostra um desenho na Mostra de Arte Oficial de Munique.
Em 1923, conhece Anna Döring, com quem se casa e, em poucos meses, se separa. Aperfeiçoa-se em Florença, onde se identifica com a obra de Alessandro Botticelli e de Raoul Dufy, e depois em Paris, onde participa do Salão de Outono. Em 1924, vem ao Brasil, e inscreve cinco desenhos e um autorretrato na XXXI Exposição de Belas-Artes do Rio de Janeiro. Obtém Menção Honrosa de 2º Grau pelo autorretrato. Volta nesse mesmo ano para a Europa e fixa residência em Florença, Itália. De volta a Europa, participa de vários salões internacionais, conhecendo Picasso, Matisse, dentre outros pintores famosos da época. É, justamente neste período, entre 1925 e 1928, que ocorre o início de sua libertação acadêmica. É nesta época, que ocorre o falecimento de sua mãe.
Em 1929, retorna definitivamente ao Brasil. Artista de formação europeia, Guignard se fixa no Rio de Janeiro, quando as primeiras manifestações a favor da arte moderna já tinham ocorrido. Por meio do contato com Ismael Nery, integra-se ao cenário cultural nacional. Pinta as primeiras paisagens do Rio de Janeiro, iniciando a série de desenhos de favelas cariocas. Obtém a medalha de bronze no 36º Salão Nacional de Belas-Artes com o Retrato de Glorinha Strobel. No Rio, torna-se amigo de artistas, poetas e escritores, entre eles, Pedro Correia de Araújo, Ismael Nery, Candido Portinari, Di Cavalcanti, Goeldi, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Aníbal Machado. Participa do XI Salão de Arte de Rosário, Argentina. Em 1930, instala ateliê no Jardim Botânico, que é retratado em várias obras. E, em 1931, participa do Salão Revolucionário, sendo destacado por Mario de Andrade como uma das revelações da mostra.
Em 1932, Guignard conhece a pianista Amalita Fontenelle, por quem se vê apaixonado. Um amor platônico que resultou em numerosos cartões com mensagens de amor e amizade. Feitos ao longo de cinco anos, os cartões escritos em português, alemão, latim e francês, foram cuidadosamente ilustrados com desenhos, anotações e fotografias, que aludem ao universo da música e da pintura, em uma união pela arte.


ALBERTO DA VEIGA GUIGNARD
Além de declarações de amor, os cartões trazem mensagens de Carnaval, Natal, Ano-Novo e aniversário. Tudo isso foi colado em um álbum pelo próprio Guignard, no dia de seu aniversário, em 25 de fevereiro de 1937. Os cartões são dedicados principalmente a Amalita, mas também as suas duas irmã, Lola e Anita. Na primeira página aparece uma foto com as três irmãs, jovens, bonitas e elegantes.
Entre 1931 a 1943, dedica-se ao ensino de desenho e gravura na Fundação Osório, no Rio de Janeiro. Guignard não é só reconhecido como um grande pintor e desenhista, mas também como um notável professor de arte, sendo inclusive chamado de mestre por Cândido Portinari. Seu trabalho pioneiro como educador sinalizou e abriu portas para um programa de arte para todos. Consagrou-se nos atelieres independentes no Rio de Janeiro. Entre 1940 e 1942, passa três anos em Itatiaia, estado do Rio, vivendo em um hotel, onde pinta a paisagem local, decorando, simultaneamente, diversos moveis e áreas do hotel. Foi em tal local, que recebeu a notícia de que sua Noite de São João acabara de ser adquirida pelo Museu de Arte Moderna de New York.
Em 1941, passa a integrar a Comissão Organizadora da Divisão de Arte Moderna do Salão Nacional de Belas Artes, junto a Oscar Niemeyer e Aníbal Machado. Dois anos depois, em 1943, passa a orientar alunos em seu ateliê e cria o Grupo Guignard, também conhecido como A Nova Flor de Abacate. Constitui-se o Grupo: Iberê Camargo, Alcides Rocha Miranda, Maria Campello, Geza Heller, Vera Mindlin, Elisa Byington, Milton Ribeiro e Werner Amacher. A única exposição do grupo, realizada no Diretório Acadêmico da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), é fechada por alunos conservadores, e uma obra de Iberê Camargo é destruída. Houve apoio da imprensa e de intelectuais à exposição. Ainda em 1943, participa da exposição Anti-Eixo (remontagem da exposição da ENBA) na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de Janeiro.
A estadia de Guignard no velho continente o colocou em contato direto com grandes mestres da pintura ocidental, dando-lhe uma bagagem artística extremamente erudita, que fora se adaptando à brasilidade do movimento artístico modernista. A técnica adquirida no exterior foi penetrando junto à brasilidade, transformando o artista em um dos representantes mais autênticos da pintura nacional. Sua produção compreende paisagens, retratos, pinturas de gênero e de temática religiosa, e se desenvolve paralelamente ao chamado período de institucionalização das linguagens modernas, que se daria nas duas décadas subsequentes. Isto é, em um momento em que se condensam as discussões em torno do nacionalismo, da identidade brasileira na arte moderna e de seu papel social.
Guignard é um dos pintores brasileiros com maior formação europeia. Segundo o crítico de arte Ruben Navarra, contemporâneo ao artista, o mestre era dono de uma técnica apuradíssima, devido aos anos de estudo, contudo, nele havia a negação do espírito de virtuosismo. Para ele, a pintura de Guignard possui
uma espécie de ingenuidade que não vem da deficiência de técnica, mas do sentimento com que contempla a paisagem nativa, sobretudo a das velhas cidades de fisionomia colonial. Ele nos transporta evidentemente ao âmago do Brasil, e sua pintura tem uma nota normemente enternecedora e íntima, cujo segredo é perceptível a qualquer coração brasileiro. Esse grande lírico é o primeiro nome de importância que encontramos na fase que poderíamos chamar de ‘post-modernismo’, indicando um caminho já consolidado (NAVARRA, 1940, p.91).
houve um pouco de polêmica no ambiente artístico sobre se Guignard deveria ou não ir a Belo Horizonte; se isso correspondia a um benefício para Guignard ou para Belo Horizonte. [...] Nós não estávamos pensando no futuro de Belo Horizonte, mas no futuro da arte. Belo Horizonte era uma grande aldeia. Seria benéfico para os alunos, mas não para Guignard. Manifestei-me contra isso mas Guignard foi para lá e foi muito bom, os alunos lucraram muito. Aqui se perdeu um pouco de Guignard (Quirino Campofiorito. Depoimento. Rio de Janeiro, 16-09-1982. Em Carlos Zilio (org.). Op. cit., p. 148-149).
Em 1944, Guignard transfere-se para Belo Horizonte para lecionar e dirigir o curso livre de desenho e pintura da Escola de Belas Artes (atual Escola Guignard), em uma proposta de renovação da cidade promovida pelo então prefeito Juscelino Kubitschek. A essa altura, Guignard já trazia consigo uma bagagem artística consolidada pela crítica, sendo reconhecido tanto nacionalmente, quanto internacionalmente. Quando chegou a Minas, a Pampulha estava pronta com a arquitetura inovadora de Oscar Niemeyer e sua vinda representou certa liberdade criativa para o plano da pintura e desenho, marcando toda uma geração de artistas, tais como Amilcar de Castro, Farnese de Andrade, Lygia Clark, entre outros. Sobre sua chegada, salienta-se que esta não ocorreu sem enfrentar certa resistência, pelo contrário:
%20-%20Guignard%20e%20seus%20alunos%20no%20Parque%20Municipal%20de%20Belo%20Horizonte.jpg)
Promove, junto com Guimarães Menegale, a “Exposição de arte moderna”, também conhecida como “Semaninha de Arte Moderna de 1944”, via Prefeitura de Belo Horizonte no Edifício Mariana, com obras de artistas brasileiros dos anos 1920 aos 1940. Oito quadros da mostra são rasgados. É o início da acirrada polêmica entre acadêmicos e modernistas na capital mineira, da qual Guignard e sua escola seriam protagonistas. As aulas de Guignard são, inicialmente, ministradas no Parque Municipal de Belo Horizonte, que se tornará tema de muitos desenhos e pinturas de do mestre Guignard. Neste mesmo período, começa a viajar pelas cidades do interior, principalmente, Sabará e Ouro Preto, representando-as em desenhos e pinturas.
Guignard viveu seus últimos dezoito anos de vida em Minas Gerais, contribuindo como artista e educador, revelando paisagens, pessoas e os movimentos artísticos de sua época. Foi neste estado, que Guignard perseguiu as paisagens montanhosas, com cenários líricos, transparentes e luminosos, com igrejas surgindo das brumas e balões coloridos subindo aos céus. A partir de 1954, Guignard começa a passar longas temporadas em Ouro Preto, sendo constantemente visto com seu cavalete pelas ruas cidade. Foi aqui em Ouro Preto, local que chamava de “cidade amor inspiração”, que o artista completou sua obra, “perseguindo a luminosidade de nossos céus e a paisagem barroca, representada de forma fantástica, poética e comovente em seus quadros”.
Em novembro de 1961, um grupo de intelectuais, artistas, políticos, professores universitários e empresários ajudam Guignard criar a Fundação Guignard, com o objetivo de “zelar pelo bem-estar físico e moral e pelo patrimônio artístico do pintor”. No ano seguinte, assina contrato de exclusividade de vendas com a Petite Galerie, que se compromete a adquirir todos os seus quadros, promover exposições e publicar um livro sobre sua obra, adiantando-lhe uma quantia em dinheiro. Com este dinheiro, compra uma casa em Ouro Preto para servir de morada, atelier e, futuramente, um museu a ele dedicado. Enquanto a casa passa por reformas, Guignard se instala em casa cedida por Pedro Aleixo no bairro de Antônio Dias.
%20(1)_JPG.jpg)
Sexagenário, Guignard sofre de diabetes, arteriosclerose e insuficiência cardíaca, em função da bebida. Em 19 de junho, sente-se mal e é levado à Santa Casa de Ouro Preto. Em seguida, transfere-se para Belo Horizonte. Falece em 25 de junho de 1962. Seu corpo é velado no Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro, e no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. É enterrado no cemitério da Igreja de São Francisco, em Ouro Preto.