FESTA DE SÃO JOÃO
Guignard considerava o retrato o mais difícil dos gêneros pictóricos, embora parte significante de sua obra seja dedicada a esta temática. Foi, sem dúvida, um dos maiores retratistas brasileiros, apesar de deslizar brilhantemente por outros temas. Seus retratos passam longe das soluções estereotipadas, a figura representada é sempre transportada a uma atmosfera capaz de capturar não somente o que é visto aos olhos, mas a aura e a personalidade do retratado. Como se a alma fosse vasculhada pelo artista, deixando transparecer na tela suas melhores qualidades.
“Íntimo do maravilhoso”, como o chamou o poeta Alphonsus de Guimaraens Filho, Alberto da Veiga Guignard se inclui entre os grandes artistas do Brasil. Não foi por acaso que para a composição desta exposição, logo veio à mente a referida citação, juntamente com a entrevista da revista “O Cruzeiro”, produzida em 1956, cujo título e foto tornaram-se nossa fonte de inspiração. Uma exposição de autorretratos na transposição do perfil, enquanto gênero textual, em uma linguagem visual. Em uma condição “autofágica”, Guignard é representado por si mesmo em imagens, textos e falas, evidenciando detalhes de sua vida, aspectos de seu pensamento e sua obra. Isto é, em sua intimidade.
O Museu Casa Guignard trouxe a concepção de “Intimo Maravilhoso” em uma referência ao mundo guignardiano, observando a semelhança entre seu interior e seus autorretratos. Uma dimensão ampliada, na qual Guignard não consegue se esconder, revelando, às vezes, seu lado doce e gentil, ora sua face trágica, em meio a força impressionante de um olhar atento de um homem que já transcendeu o casual deste mundo. Ver o artista pelo artista, quais são os signos que o mestre inseria em sua própria autoimagem. Afinal, o que há de mais peculiar do que o próprio Guignard olhando para si mesmo, enquanto desenvolve e exprime sua arte?
O acervo selecionado remete a autorretratos de diferentes anos, técnicas e suportes. Todos carregados de requinte, pessoalidade, poesia, paixão e verdades. O lábio leporino, enquanto uma marca jamais escondida, é facilmente percebido, sendo por vezes transferidos para as representações de Cristo, definidos por Carlos Drummond de Andrade, como uma espécie de “autorretratos expressionistas”.
Junto aos quadros, transcrições e fotografias coloridas, presentes nos periódicos inerentes ao acervo do Museu Casa Guignard, trazem essa relação de intimidade. Assim, os autorretratos são atrelados a diversas entrevistas, trazendo uma visão em primeira pessoa do artista. A exceção se faz junto a escritora Lúcia Machado de Almeida, sua grande amiga pessoal, que trouxe detalhes interessantes sobre mestre, em uma das reportagens citadas.
Por fim, salientamos que a mostra virtual faz parte da programação especial dos “60 anos sem Guignard”, que homenageia o artista falecido em 25 de junho de 1962, devido as complicações cardíacas agravadas pela diabetes. Em 2022, o mestre revela o seu íntimo, marcando sua ausência através do lirismo de sua obra.